A história se passa em São Paulo, no final da década de 1960. Três universitárias de condição social e origens diversificadas se conhecem em um pensionato de freiras e se tornam muito amigas, apesar das diferenças de valores e personalidades.
Lorena Vaz Leme divaga em seu quarto dourado e rosa no pensionato Nossa Senhora de Fátima. Pensa na amiga Lia de Melo Schultz, que tem pretensões a escritora e é militante política; no gato Astronauta, que cresceu e abandonou-a; em Che Guevara, que foi líder de toda uma geração; em M.N., homem misterioso que lhe desperta desejos eróticos, em Jesus Cristo, a quem dedica a música de Jimi Hendrix; e na morte desse roqueiro e de Rômulo, seu irmãozinho querido. Lia aparece para pedir-lhe o carro de “mãezinha” emprestado, e enquanto tomam o chá especial de Lorena, conversam e divagam sobre tolices e sobre coisas sérias, entre as quais a greve na faculdade; a prisão de Miguel, namorado de Lia e também militante político; na alienação da burguesia acomodada; na repressão militar, nos amigos que estão presos e sendo torturados. Lorena lembra a morte traumática de Rômulo e sua agonia nos braços da mãe, vitimado por um tiro acidental dado pelo outro irmão, Remo. Da fuga de Remo para o exterior através da Diplomacia, dos frequentes presentes que ele envia a ela (sinos, lenços, roupas, comida…). Mistura a esses pensamentos a figura do médico Marcus Nemésios (o M.N.), casado e bem mais velho, de quem ela sonha receber amor, carinho e; evoca ainda a figura de Ana Clara, suas origens “suspeitas”, no excesso de tranquilizantes que consome; pensa na própria adolescência, ao piano, no gostoso convívio familiar, nos banhos de banheira, na decisão de morar no pensionato, no aluguel e decoração do quarto por Mieux, o atual namorado da mãe. Lia fala sobre o livro que escrevera e acabara por rasgar. Criticam Ana Clara e o namorado Max, traficante que a viciou em drogas, e o provável e desconhecido noivo rico com quem ela pretende se casar para “sair do buraco”, após plástica restauradora da virgindade, bancada por Lorena. Lia pede várias vezes o carro emprestado e um pouco de dinheiro para o “aparelho” do qual ela faz parte. Apesar de temer envolvimentos com o grupo e suas consequências, Lorena é incapaz de dizer “não” aos pedidos das amigas.
Ana Clara e Max drogam-se na cama e deliram. Ela sente-se travada, bloqueada, apesar das sessões de terapia (ela odeia o analista). Acha-se bonita e carente; a mãe, prostituta, nunca lhe deu atenção. Lembra-se do Dr. Algodãozinho, que deixava seus dentes apodrecerem para abusar sexualmente dela e da mãe, em sua cadeira de dentista. Pensa no quanto ama Max, mas que em janeiro casa-se com o noivo rico e resolve seus problemas. Sente ódio de Deus e de negros. Resgata a infância carente, repleta de ruídos e cheiros, nos prédios em construção, onde vivia com a mãe e os sucessivos amantes. Também evoca detalhes da vida das amigas Lia e Lorena. Max também delira. Reza. Teve educação esmerada mas empobreceu e tornou-se traficante. Tem uma irmã que sumiu com as jóias da família e encontra-se internada num sanatório. Ana e Max se amam, mas seu relacionamento é difícil e complicado.
Lorena reflete sobre a violência do mundo; assaltos a bancos; a morte de Rômulo; a profissão de Remo propiciando sua “fuga” para o exterior. Gostaria de poder alienar-se desse mundo violento, como uma ostra dentro de sua concha dourada (como ela considera o seu quarto). Lembra a chegada de Lia e Ana Clara e a “invasão” das duas à sua privacidade, a amizade das três, apesar das personalidades opostas. Miúda e magra, mostra certa inveja da beleza de Ana Clara, apesar da diferença cultural. Lorena pensa sobre as duas amigas: Lia de Melo Schultz tem um “pé” baiano, da mãe Diú (D. Dionísia) e outro berlinense, do pai seu Pô (Herr Paul, ex-oficial nazista). Ela herdou do pai o vigor germânico, e da mãe, as proporções físicas, a cabeleira e a voz adocicada. É uma “mulher-hino”, enquanto Lorena vê-se como uma civilizada, requintada “balada medieval” (ou “Magnólia desmaiada”, para os colegas da Faculdade de Direito). Ana Clara invadira a privacidade de Lorena, obrigando-a a verdadeiros exercícios de caridade cristã: mexe em tudo, nos livros, nos objetos pessoais. Tem olhos verdes, é linda, mas muito confusa, deprimida e deprimente, muito afetada e mentirosa. Profundamente envolvida com sexo e drogas. Enquanto lancha ao sol, Lorena recorda o aborto de Aninha, resgatando a fábula da formiga e da cigarra (inconsciente, bagunceira, irresponsável), com quem compara a amiga. Recebe carta de Remo e pensa na morte de Rômulo. Filosofa sobre o lado omisso das relações humanas. Sonha em casar-se com M.N., pois sente-se frágil, insegura, precisando de um homem em tempo integral. Ao voltar para o quarto, pensa no colega Fabrízio, na noite chuvosa em que ele veio estudar mas preferiu envolvê-la nos braços, ameaçando sua virgindade; na falta de luz e subsequente chegada de Lia, estragando o momento mágico com suas alpargatas molhadas e suas pesquisas sobre a vida das prostitutas, sua obsessão por Miguel. Lia sai, mas chega Ana Clara, e se instala. Fim da noite para Fabrízio e Lorena. No dia seguinte, conheceu o Dr. M.N. na sua Faculdade e ganhou carona. Passa a viver aguardando seu telefonema, fantasiando um amor edipiano.
Max delira na cama. Gosta de Chopin, de Renoir. Conversa com a Coelha (Ana Clara) sobre a riqueza passada, as viagens. Ana compara os diferentes níveis de artistas abstratos e reclama de estar lúcida – teria tomado aspirina? Lembra o passado de miséria e sonha com o futuro promissor como psicóloga de ricaços. Quer esquecer a mãe, os amantes, Jorge, Aldo, Sérgio… e o suicídio com formicida. Lembra-se da amiga Adriana, feia e vesga, mas com casa na praia, onde Ana Clara tentou lavar a memória do passado num banho de mar. Max desperta e os dois deliram juntos. Ela está grávida e quer abortar. Ele deseja o filho, cuja voz diz ter ouvido. Vão ficar ricos e fazer cruzeiros pelo mundo. Ela é a gata borralheira, que tem encontro marcado com o noivo, que já deve estar inquieto com o atraso.
Lorena aguarda o telefonema de M.N., como sempre. Pensa em arte, em literatura (Dante, Beatriz), em jazz, no cheiro do incenso, na morte de Rômulo, na mãe e no carro (teme que Lia seja metralhada dentro dele). Gostaria de poder sair de moto com Fabrízio, um cinema, um jantar… mas acha que ele deve estar na faculdade, incitando a greve e namorando uma poetazinha que resolveu seduzi-lo. Recebe a visita da irmã Bula e desconfia que esta é a autora das cartas anônimas, que falam coisas horríveis sobre as meninas e as freiras, para Madre Alix, a superiora. Enquanto serve licor e biscoito para a freira, relembra a morte de Rômulo, as manchetes nos jornais; pensa em Lia, em Simone de Beauvoir, em segundo e terceiro sexos, em M.N., em Che Guevara, em morrer e renascer (segundo S. Marcos, “é necessário nascer de novo”). Recupera a teoria da amiga “terrorista” sobre a perda de pureza do baiano e do índio, e cita Gonçalves Dias. Coloca um Noturno de Chopin e serve constantemente vinho à freirinha. Quando tampa a garrafa, pensa na ferida de Rômulo, na fuga de Remo. Despede-se da Irmã Bula e de sua velhice sem sentido.
Na sala imunda e mal iluminada onde montaram o “aparelho”, Lia e Pedro começam a separar material para o jornal. Conversam sobre experiências homossexuais; Jango; o nazismo; conceito de santidade; Che Guevara; Martin Luther King; engajamento político-social; atuação da Igreja progressista; casamento de padres; amor… Sai para uma operação noturna com o Bugre, que lhe conta sobre a próxima deportação de Miguel para a Argélia. De volta ao pensionato, feliz, conversa com Madre Alix: fala de seu amor pela família, do passado com saudade; do presente; de Ana Clara, Max e seu envolvimento com drogas; na sua pretensa vocação para escritora; na desilusão com Miguel (muito cerebral) e Lorena (muito sofisticada). Madre Alix quer ajudá-las, mas sente-se impotente e teme por seu futuro. Sugere uma epígrafe para o livro de Lia e que serve para a vida das duas: “Sai da tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai e vem para a terra que eu te mostrarei” (Gênesis).
A Irmã Clotilde leva frutas para Lorena, que se exercita na bicicleta. Falam sobre as duas Santas Teresas; sobre Tolstói; sobre homossexualismo (comenta-se no pensionato que a Irmã Clotilde é lésbica); sobre beleza, ideais, filosofias de vida. A freira vai lavar as mãos e volta criticando a cor, a saúde e a alimentação das três amigas. Lorena anseia por beleza e um telefonema… Quer ficar só, mas a freira se demora na visita e no exame do quarto, dos animais, dos livros da moça. Esta lê um pedaço de um livro de Direito, cita frases em latim, enquanto pensa sobre o lado oculto das pessoas: a vida é um jogo de espelhos, e Lorena tem sede de autenticidade… Lia chega, a freira se vai. Devolve a chave do carro, conta sobre a viagem à Argélia, brinca de entrevistar Lorena (os assuntos de sempre: virgindade, casamento, M.N., Fabrízio, Pedro) e diz que esta é edipiana. Ambas mostram-se preocupadas com a gravidez de Ana “Turva” e sua dependência. Divertem-se no jardim e despedem-se no portão. Lia pede roupas para os “revolucionários”. Lorena fica pensando na iniciação sexual das amigas e imagina como será sua primeira vez (M.N. é ginecologista e um “gentleman”).
Ana Clara e Max acordam e conversam: ele e Lorena são “aristocratas”, têm álbum de retratos… Os de Lorena estão na garagem do pensionato. Criticam o amante jovem de mãezinha, Mieux. Max vai até a geladeira, come e volta a dormir. Ana pensa na desculpa que vai inventar para o noivo aceitar seus sumiços. Arruma-se e sai. Chove. São quase onze horas da noite. Não consegue táxi e aceita carona de um industrial num Mercedes. Foge dele e refugia-se em um bar, onde encontra um velhote estranho que a convida para seu apartamento. Confundindo-o com um pai que nunca teve, segue-o. É um apartamento de boêmio, com retratos na parede, vitrola de corda e discos de tangos. Ana deita-se na cama e dorme, enquanto ele lê para ela textos sobre Napoleão, Rodolfo Valentino e tem um orgasmo. Ele diz que o platonismo amoroso é a forma mais sutil e temível da paixão infinita e insaciável.
Na banheira, Lorena filosofa sobre “ser” ou “estar” no mundo – na desintegração do ser humano na cidade grande, no papel do filósofo, do advogado, do médico, do psiquiatra. Sente todos os sintomas de todas as doenças mentais, apesar de charmosa e inteligente. Lembra-se da fazenda, das procissões em que se vestia de anjo. Rememora o primeiro encontro com M.N. e imagina as reações de mãezinha quando lhe contar sobre ele. Sai do banho emocionada e veste um roupão. Chega o colega Guga, que lhe conta ter abandonado a família, a escola e estar vivendo em um porão, numa comunidade. Escandalizada com sua sujeira, Lorena corta-lhe as unhas, alerta-o sobre promiscuidade e lê para ele uma carta de M.N. Guga se excita e tenta amá-la. Ela quase cede, mas reage e ele se vai. Chega Lia. Conversam sobre filosofia, Lacan, auto-identificação, transferência de afetos. Lia quer provar que M.N. está mais para pai que para namorado, mas Lorena não admite. Falam sobre o telefonema de Herr Pô e da promessa de ajuda em dinheiro para a viagem. Lorena entrega a Lia um cheque em branco e pede-lhe para usar uma cruz na corrente, enquanto filosofa sobre Deus, religião, fé. Lia sai rindo. Lorena faz caretas.
Lia pega carona com o motorista da mãezinha de Lorena e vai visitá-la. No caminho, consegue confundir a cabeça do senhor com seu discurso sobre família e liberdade. Recebida no hall pelo mordomo, fuma, examina os objetos e tapetes luxuosos, enquanto imagina sua viagem, a desunião da esquerda; vê-se na Argélia escrevendo seu diário e exaltando a Pátria. Mãezinha chora, na cama, a morte do psiquiatra Dr. Francis. Desajeitada, Lia tenta consolá-la e ouve suas lamúrias sobre a diferença de idade entre ela e Mieux, a impossibilidade de acompanhá-lo em seus programas, a dificuldade em aceitar a velhice e a morte. Lia lembra-se de sua família com saudade e amor. Mãezinha acha Lia um tanto masculinizada. Ela pergunta sobre os namoros de Lorena e Lia e quer trazer a filha de volta à casa. Conta uma versão totalmente diferente sobre a morte de Rômulo: uma falência cardíaca, ainda bebê. Lia sente-se nauseada e pensa em ver o álbum de fotos na garagem: acha que mãezinha está escamoteando a tragédia por auto-defesa. Ganha roupas e mala para a viagem.
Tarde da noite, Ana Clara chega transtornada ao quarto de Lorena, que está estudando para a prova no dia seguinte, pois a greve terminara. Entra arrastada, gritando de dor no peito e imunda. Lorena coloca-a na banheira. O corpo dela está cheio de nódoas roxas e sofre alucinações com formigas, baratas, Deus e Max. Pede uísque e a bolsa. Delira. Lorena pensa no abismo entre o ser e o estar, num futuro feliz no campo, fora de sua casca. As novelas da vizinhança encobrem os ruídos e finalmente Ana Clara adormece. Lorena toma chá. Finalmente Lia chega para preparar as malas para a viagem na manhã seguinte e Lorena vai até seu quarto. Conversam muito – sabem que estão se despedindo – e Lia conta-lhe que Guga virá procurá-la. Não vêem futuro na relação com M.N., que jamais abandonará a família. Ao voltar para o quarto, Lorena tem um choque: Ana Clara está morta.
Lia corre aos acenos da amiga. Ao entrar, encontra Lorena massageando o peito de Ana Clara, tentando revivê-la, enquanto reza. Lia pensa em chamar o pronto-socorro, em acordar todo mundo, em que poderia ter feito mais pela amiga, além dos “discursos”. A bolsa de Ana Clara está aberta: talvez dali ela tirara a própria morte. Lorena tem ideias e age: encomenda o corpo, reza em latim, veste e pinta Ana Clara como se esta fosse a uma festa. Elimina todas as pista comprometedoras para Aninha e Max, além das freiras do pensionato. As duas amigas carregam Ana Clara através da noite providencialmente nebulosa e abandonam o corpo num banco de uma linda praça do bairro. Voltam para o pensionato e separam-se. Cada uma vai viver a própria vida, Lia no exílio e Lorena de volta para a casa de mãezinha, deixando sua concha para a futura hóspede, que vem do Pará.
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- Artigo sobre Lygia Fagundes Telles na Wikipedia.
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